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Drenagem Urbana: Os impactos ambientais nos corpos d'água promovidos pelo processo de metropolização

1. INTRODUÇÃO


A ocupação urbana ocasiona inúmeras alterações espaciais e ambientais e, consequentemente, na dinâmica dos recursos hídricos. Portanto, compreender como o meio é transformado, interpretando os processos que deflagram os impactos, é essencial para a gestão atual e futura dos recursos ambientais. As nascentes são elementos de suma

importância na dinâmica hidrológica. São os focos da passagem da água subterrânea para a superfície e pela formação dos canais fluviais. Apesar de amplamente difundido, este conceito ainda é pouco explorado pela literatura acadêmica. Legalmente, estabelece-se que “nascente ou olho d’água é o local onde aflora naturalmente, mesmo que de forma intermitente, a água subterrânea” (BRASIL, 2002. Art. 2º, II). Longe de estabelecer cientificamente o conceito de nascente, essa definição é o ponto de partida para a gestão ambiental, posto que, a partir dela, são definidas as áreas de preservação permanente.

Como a água das chuvas é efêmera, é de responsabilidade das nascentes perenes, alimentadas constantemente pelos aquíferos, a manutenção dos fluxos dos rios e córregos, mesmo em períodos secos. Nesse sentido, as nascentes são parcialmente responsáveis pela origem dos recursos hídricos de mais fácil acesso à maioria da população e dos setores econômicos. Os custos financeiros de utilização das águas superficiais são consideravelmente menores do que o das águas subterrâneas, sobretudo em países tropicais, como o Brasil, que possuem densas redes hidrográficas superficiais. Em Belo Horizonte/MG, por exemplo, estima-se que mais de 95% do abastecimento de água seja realizado a partir de captações superficiais (COSTA, 2002).

Além da limitação do potencial hídrico, que geralmente é bem reduzido nas metrópoles, especialmente nos períodos de estiagem que ocorrem anualmente, a ineficiência da drenagem ainda contribui para alagamentos, erosões e vetorização de patógenos. Desta forma, este trabalho tem como objetivo discutir as possíveis consequências dos impactos ambientais na dinâmica das nascentes, promovidos pelo processo de metropolização. Discute-se, primeiramente, a importância das nascentes para a sociedade, apresentando uma argumentação que embase a tese de proteção desses ambientes. Em um segundo momento, é realizada uma reflexão teórica acerca dos impactos sobre as nascentes ocasionados pela ocupação urbana.


2. IMPACTOS CAUSADOS PELO PROCESSO DE METROPOLIZAÇÃO


O Brasil possui 12% da reserva de água doce do mundo e, mesmo com a abundância, nas últimas décadas a disponibilidade e a qualidade das águas vem diminuindo drasticamente, devido ao desmatamento das matas ciliares, o aquecimento global e uso inadequado do solo, por exemplo. Os rios têm grande importância uma vez que são fontes de um dos recursos indispensáveis à vida, além de envolver questões culturais, sociais e econômicas pois as indústrias e pecuária dependem dos corpos de água para obterem seus produtos, ou seja, a falta da água gera graves consequências ambientais e sociais (ABEMA, 2021).

Dessa forma, pode-se perceber que a conservação dos rios e nascentes é essencial já que a falta de água pode trazer diversos impactos sociais, ambientais e econômicos para a sociedade. As nascentes, em especial, tem um papel fundamental pois são onde culminam as águas dos lençóis freáticos e reservatórias subterrâneos, formando córregos, riachos e rios, auxiliando, portanto, na manutenção da umidade do solo, no fluxo dos cursos de água e no abastecimento para consumo humano. Nesse sentido, nota-se a importância das nascentes, uma vez que estas originam os rios (ABEMA, 2021).

A metrópole é uma grande aglomeração na qual uma cidade polariza (política, econômica e culturalmente) uma ampla região formada por várias outras cidades, evidenciando, na prática, o poder do homem de mudar o ambiente natural (MIRANDA, 2014). Os problemas ambientais se manifestam com maior intensidade nessas grandes cidades do que em municípios menores ou áreas rurais, causando consequências sobre todos os aspectos que envolvem o meio ambiente. Além da poluição atmosférica, sonora e visual, tem-se as poluições que impactam diretamente a quantidade e a qualidade dos recursos hídricos como, por exemplo:

  • o excesso no consumo de água, o que torna o abastecimento cada vez mais caro pois é necessário carregar água de locais mais distantes;

  • o despejo dos resíduos domésticos e industriais nos mananciais, causando danos graves uma vez que não há grande coleta e tratamento desses no país;

  • o excesso de construções avançando para as margens dos rios, fazendo com que eles sejam espremidos e reduzam a ocupação;

  • a carência de arborização, uma vez que estas melhoram o microclima da região, retendo a umidade do solo.


3 TÉCNICAS APLICADAS NA RESOLUÇÃO/MITIGAÇÃO DOS PROBLEMAS


3.1 Corredores ecológicos


Devido às problemáticas já explicitadas anteriormente e, apesar da importância econômica e social das nascentes, existem áreas que já experimentam intensas degradações quanto à existência de mata ciliar. Nesse sentido, há necessidade de estabelecer medidas que vão recuperar a área, considerando os usos do solo, assim como as necessidades da sociedade. Em cidades de grande porte, onde há a existência de bacias hidrográficas maiores, apenas restaurar as áreas em que as nascentes estão situadas não resolve a problemática (Ferreira, R.A. et al, 2011).

As matas ciliares são extremamente importantes para que as nascentes sejam preservadas, bem como os rios, uma vez que a vegetação tem a capacidade de reter a umidade do solo e do ar, influenciando no balanço hídrico, o que favorece a infiltração de água no solo, além de provocar uma evapotranspiração mais lenta. Dessa forma, protegem as nascentes e mananciais, além de reduzir a poluição sonora, amortecendo os ruídos, e servir de abrigo para animais da fauna local.

Com base nesse contexto, se dá a implantação de um corredor ecológico (Figura 1) para a recuperação de nascentes e corpos de água, em um geral. Os corredores ecológicos

consistem em estruturas lineares da paisagem que ligam, pelo menos, dois trechos que antes eram conectados e eles tem como objetivo minimizar os efeitos causados pela fragmentação e destruição dos habitats.


Figura 1: Corredor ecológico que liga duas áreas de vegetação sobre uma estrada


Fonte: MINASBIO (2020)


Como as nascentes são configuradas como Áreas de Proteção Permanente (APPs), assim como as margens dos cursos de água, pode-se formar um ótimo corredor ecológico, protegido por lei, que vai garantir a proteção dos recursos hídricos, além de proteger a fauna e flora da região e outros diversos benefícios, como a melhora do clima da região e da

qualidade do ar, diminuindo doenças respiratórias.


3.2. Pagamento por serviços ambientais (PSA)


Não há um conceito legal definido em âmbito federal sobre o que seja serviço ambiental, mas existem propostas recentes que busquem incentivar, de forma remunerada, a prática da proteção ambiental. O Código Florestal (Lei nº. 12.651/2012), apesar de tratar superficialmente sobre o assunto, não conceituando o instituto, traz quais são “as categorias e linhas de ação” objeto para o PSA. Com isso, aduz o artigo 41, inciso I, que é autorizado ao Poder Público Federal “a instituir, sem prejuízo do cumprimento da legislação ambiental, programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente, bem como para adoção de tecnologias e boas práticas que conciliem a produtividade agropecuária e florestal, com redução dos impactos ambientais, como forma de promoção do desenvolvimento ecologicamente sustentável, observados sempre os critérios de progressividade, abrangendo as seguintes categorias e linhas de ação:


I – pagamento ou incentivo a serviços ambientais como retribuição, monetária ou não, às atividades de conservação e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais, tais como, isolada ou cumulativamente:

a) o sequestro, a conservação, a manutenção e o aumento do estoque e a diminuição do fluxo de carbono;

b) a conservação da beleza cênica natural;

c) a conservação da biodiversidade;

d) a conservação das águas e dos serviços hídricos;

e) a regulação do clima;

f) a valorização cultural e do conhecimento tradicional ecossistêmico;

g) a conservação e o melhoramento do solo;

h) a manutenção de Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito”.


De acordo com Sepe e Pereira (2015), o PSA apresenta muitos desafios a serem rompidos, mas o principal, consiste em quebrar o paradigma tradicional, de que esta ferramenta não foi elaborada para as atividades em zonas urbanas.

Para iniciar a quebra deste paradigma, atividades como o Programa Córrego Limpo (PCL) devem ser incentivadas por instituições governamentais. O PCL, estabeleceu-se, em 2007, após o sucesso da despoluição pioneira do Córrego Carandiru/Carajás, na zona norte da cidade de São Paulo. As intervenções realizadas nesse córrego, transformaram-se em um projeto-piloto para a análise da viabilidade técnica do PCL. O programa, envolve uma parceria entre o governo do estado de São Paulo, por meio da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), e a prefeitura do município de São Paulo (PMSP).

A partir de ações como esta, um escopo geral poderia ser elaborado, envolvendo o PSA voltado para este contexto urbano, visando a melhora dos sistemas de drenagem, culminando numa melhora dos recursos hídricos. Podendo ser executado em parceria com diversos atores que atuam na gestão de recursos hídricos além da Sabesp, como a ANA (Agência Nacional das Águas), além de poder envolver a iniciativa privada e a prefeitura de outros municípios vizinhos. Eventuais parcerias com municípios limítrofes situados a montante das sub-bacias hidrográficas que atravessam o zoneamento urbano, poderiam resultar na melhoria da qualidade da água nos cursos hídricos do município, podendo implicar em benefícios ao sistema de abastecimento da própria cidade. Este contexto, remete ao Projeto Produtor de Água de Extrema (Richards et al., 2015), que vem resultando benefícios tangíveis para além das bacias hidrográficas submetidas a esse PSA, alcançando o Sistema Cantareira que abastece São Paulo.


3.3. Revitalização de corpos hídricos urbanos


Este processo consiste em uma ação a fim de reverter os impactos negativos causados pela poluição hídrica proveniente das atividades humanas e por sua consequente alteração morfológica dos corpos hídricos. Esta técnica é mais utilizada hoje em países em desenvolvimento, segundo Tucci (2003). Em países como os Estados Unidos, esta técnica é empregada visando a preservação, conservação e recuperação ambiental dos rios em nível de bacia hidrográfica, por exemplo no Rio Anacostia, EUA.

O processo de revitalização não consiste em uma volta à paisagem original não influenciada pelo ser humano, mas significa desenvolver de forma sustentável os corpos hídricos em conformidade com a paisagem e as necessidades humanas e naturais.

Em áreas consolidadas, o processo de revitalização consiste em considerar a posição do espaço urbano quanto sua proximidade aos corpos d’água, objetivando a promoção da preservação da natureza, juntamente com a qualificação da zona urbana.

Pode-se citar como exemplo a revitalização do Córrego 1º de Maio, o qual é um afluente do Ribeirão Pampulha, situado na região norte de Belo Horizonte. A sub-bacia deste córrego abrange uma área na qual residem cerca de 3000 habitantes (COSTA et al, 2008). As nascentes estão situadas nas proximidades do Bairro Minaslândia, em área pouco habitada, e durante muito tempo foram expostas a processos de degradação ambiental com a deposição de lixo e lançamentos de esgoto (BARBOSA, 2011). O córrego possuía focos erosivos, instabilidade nas margens e assoreamento. A intensa ocupação de suas margens, agravava os problemas de degradação ambiental.

As intervenções realizadas na revitalização da sub-bacia do córrego Primeiro de Maio, iniciadas em 2007 e concluídas em 2008, foram as pioneiras do Programa de Recuperação Ambiental de Belo Horizonte Drenurbs-Nascentes, beneficiando diretamente cerca de mil pessoas. No projeto de revitalização foram realizados:


1. tratamento de fundo e contenção das margens do córrego;

2. implantação de redes de esgoto sanitário e de interceptores;

3. tratamento de focos erosivos;

4. pavimentação de vias; implantação de áreas de uso social;

5. implantação do sistema de drenagem e melhoria do já existente;

6. recomposição e tratamento de taludes; implantação de bacia de detenção com barragem e vertedouro e a desapropriação da área do entorno do córrego (COSTA et al, 2008).


Como um efeito da revitalização, a prefeitura de Belo Horizonte efetuou a desapropriação dessas áreas, afetando 16 famílias, que foram reassentadas em outro local.

Abaixo seguem duas fotos para visualização do processo de revitalização.


Figura 2: Imagem antes da execução do projeto de revitalização em 2006.

Fonte: Google Earth, 2010. Extraído de Barbosa, 2011.


Figura 3: Imagem após a execução do projeto de revitalização em 2010.

Fonte: Google Earth, 2010. Extraído de Barbosa, 2011.


REFERÊNCIAS


ABEMA (Brasília) (ed.). A importância de preservar rios e nascentes (SEMA-MA). 2021. Disponível em: https://www.abema.org.br/noticias/687-a-importancia-de-preservar-rios-e-nascentes. Acesso em: 15 jul. 2022.


FERREIRA, Robério Anastácio et al. Nascentes da sub-bacia hidrográfica do rio Poxim, estado de Sergipe: da degradação à restauração. Revista Árvore [online]. 2011, v. 35, n. 2, pp. 265-277. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0100-67622011000200011>. Epub 03 Maio 2011. ISSN 1806-9088. https://doi.org/10.1590/S0100-67622011000200011. Acesso em: 15 jul. 2022.


MENDONÇA, Marcus Vinicius. CORREDOR ECOLÓGICO ENTRE AS ÁREAS PROTEGIDAS DE CARAJÁS E DA TERRA DO MEIO, PARÁ . 2019. 115 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Desenvolvimento Regional, Universidade Federal do Tocantins, Palmas, 2019. Disponível em:

http://umbu.uft.edu.br/bitstream/11612/1132/1/Marcus%20Vinicius%20Mendon%c3%a7a%2 0-%20Disserta%c3%a7%c3%a3o.pdf. Acesso em: 15 jul. 2022


MIRANDA, Ângelo Tiago de. Metrópoles - Impactos ambientais da urbanização. 2014.


SEPE, P. M. e PEREIRA, H. M. (2015). O conceito de Serviços Ambientais e o Novo Plano Diretor de São Paulo. In: XVI ENAPUR. Anais São Paulo, pp. 1-16.


RICHARDS, R. C., REROLLE, J., ARONSON, J., PEREIRA, P. H., GONÇALVES, H. e BRANCALION, P. H. (2015). Governing a pioneer program on payment for watershed services: Stakeholder involvement, legal frameworks and early lessons from the Atlantic forest of Brazil. Ecosystem Services, v. 16, pp. 23-32.


TUCCI, Carlos E.M. Drenagem urbana. In: Ciência e Cultura. São Paulo: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência Vol. 55, n. 4, p. 36-37, 2003.


COSTA, Heloisa S. M.; BONTEMPO, Valdete; KNAUER, Sonia. Programa Drenurbs: uma discussão sobre a constituição de alianças de aprendizagem na Política de Saneamento de Belo Horizonte. Anais do XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu- MG/ Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.


Bernardo M. Novos Conceitos de Engenharia Urbana: a experiência do Programa DRENURBS no córrego Primeiro de Maio, em Belo Horizonte. Dissertação de Mestrado. UFMG, pp. 152, 2011

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