O Brasil é um dos países com maior disponibilidade de recursos hídricos do mundo, mas tem problemas com seus indicadores de água, pois cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada em casa. Além da disponibilidade heterogênica da água no território nacional e sua qualidade gradativamente deteriorada, outros problemas que causam a falta de água no país são as perdas e as falhas nos sistemas de abastecimento.
As perdas de água são o desperdício não intencional de água potável que ocorre em um sistema de abastecimento. Estas perdas trazem impactos negativos para toda a sociedade, uma vez que grande quantidade do líquido que seria adequado para o consumo acaba sendo desperdiçada. Segundo um estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil, as perdas de água potável seriam suficientes para abastecer 30% da população brasileira pelo período de um ano, outro estudo feito por esse instituto também revela que 38,3% da água potável e tratada é perdida pelo caminho das estações até a casa dos cidadãos – ou seja, a cada 100 litros, 38 são perdidos.
Caracterização das perdas de água no abastecimento
A matriz de balanço hídrico da IWA – International Water Association é dada pela Figura 1. As perdas reais referem-se aos vazamentos em várias partes do sistema e extravasamentos em reservatórios de água tratada. Do contrário, as perdas aparentes referem-se às águas que são consumidas, mas não faturadas pela companhia de saneamento. Entretanto, para ambas as perdas, se nada for feito para combatê-lo, os volumes de águas perdidos crescem naturalmente em virtude da deterioração das tubulações, desgaste dos hidrômetros, entre outros (ABES, 2015).
Figura 1 - Balanço Hídrico da IWA
A medição, isto é, a quantificação volumétrica das frações delineadas, é fundamental para a avaliação das perdas. Há dois níveis de medição: macromedição (apuração dos volumes produzidos pelas ETAs) e micromedição (apuração do volume de água na entrada dos consumidores finais) (ABES, 2015).
Dentre as principais causas das perdas de água durante o processo de abastecimento no país, estão a ocorrência de vazamentos em diferentes pontos do sistema, por causa das ligações clandestinas e irregulares (os chamados “gatos de água”) e por falhas de leitura ou leituras imprecisas devido aos hidrômetros estarem muito antigos e necessitarem de substituição. Para minimizar esse problema, seria interessante que as companhias de saneamento investissem em eficiência operacional. Esse tipo de iniciativa deveria ser cobrado e incentivado tanto pelo poder público quanto pela população. O investimento em hidrômetros mais modernos e a utilização de equipamentos que identifiquem roubos aliados à orientação sobre a necessidade de substituição das redes e manutenção preventiva poderiam diminuir drasticamente os desperdícios que ocorrem atualmente nos sistemas de abastecimento.
Tecnologias de minimização de perdas de água no abastecimento
A fim de tratar o problema, deve-se incentivar um consumo consciente por parte da população, além de oferecer às pessoas o acesso a uma educação ambiental de qualidade, informando sobre a importância de denunciar os “gatos de água” e verificar constantemente se há vazamentos na residência onde mora, isso pode ser feito observando se há a presença de mofos nas paredes ou se o hidrômetro continua rodando, mesmo com todas as torneiras e chuveiros fechados. Além disso, novos estudos e novas tecnologias vêm sendo desenvolvida com o intuito de ajudar na minimização das perdas, buscando inovação e aplicabilidade no mercado.
Inteligência artificial
SmartAcqua Solution é uma solução inovadora, incorporada em um algoritmo de Inteligência Artificial, que reúne em uma plataforma única diversas informações estatísticas, funcionalidades e sofisticados algoritmos que permitem analisar e gerenciar todos os itens relacionados ao combate das perdas de água potável. Com este software, segundo Almeida (2020), é possível identificar onde, como, quanto e porque essas perdas estão ocorrendo e ainda possibilita estabelecer um planejamento das ações que devem ser tomadas para minimizar substancialmente o problema. O funcionamento se dá por meio de sensores, algoritmos de Inteligência Artificial e cálculos estatísticos avançados para detectar perdas de água na rede de abastecimento ou nos pontos de consumo (como residências e empresas).
Outro exemplo é o Sistema Leaf, desenvolvido pela I.Systems. O sistema é instalado sem pausar a produção, sem necessidade de investimentos, e a implantação é rápida e possui uma interface amigável. Conforme a FAPESP (2018), para o desenvolvimento da solução cuja condição é interligar o sistema de inteligência artificial com a rede de distribuição, foi necessária a coleta de diferentes tipos de informações: dia da semana, se feriado ou não; horário; temperatura da região; época do ano, se alta ou baixa temporada; previsão de chuva, entre outras. Com o conjunto de informações coletadas, permitiu-se que fossem atribuídas responsabilidades de pressão de água para cada bomba e válvula da rede de distribuição.
A startup paulista Stattus4 criou um sistema, denominado Fluid, que consiste no monitoramento da rede de abastecimento em tempo real para detectar vazamentos e reduzir estas perdas físicas ou reais de água potável. O projeto funciona a base de sensores fixos e móveis que identificam pontos suspeitos de vazamento e enviam em tempo real os dados para um software. O resultado é apresentado em um painel do software com inteligência artificial e integrado ao Google Maps. Ao cruzar os dados como histórico de pontos, dados de pressão e leitura de consumo, são emitidos alarmes e dando suporte à tomada de decisão, para que o tempo de envio da equipe de campo aos locais de vazamento seja otimizado.
Figura 2 - Sensor da Stattus4 para ouvir vazamentos de água.
MPR datalogger
É de extrema importância o monitoramento das pressões nas redes de abastecimento de água. Sob esta perspectiva dos custos de aquisição e instalação dos componentes comerciais para tal monitoramento e à carência do aporte técnico-científico no desenvolvimento de opções de baixo custo, o MPR datalogger tem por objetivo ser um equipamento de medição de pressões hidráulicas de valor acessível (Tabela 1), em residências, para o abastecimento de água não oneroso.
A concepção do dispositivo MPR datalogger foi realizada de tal maneira que fosse possível medir, registrar e armazenar os dados de data, hora e pressão hidráulica, e os resultados obtidos formarem uma série temporal de dados para serem avaliados e indicarem possíveis problemas nas tubulações e, por consequência, na perspectiva da operação e manutenção do presente sistema. Por exemplo, pressões baixas no período noturno ou pressões elevadas durante o dia são indicativos de irregularidades, tendo em vista que a situação contrária se faz a normalidade ou podem apontar particularidades do sistema como a presença de captação de água subterrânea (poços) ou bombeamento de água para localidades mais altas, o que também interfere nas pressões.
Figura 3 - Componentes utilizados no dispositivo e seus respectivos preços.
Para a verificação das pressões medidas pelo MPR datalogger, foi utilizado um equipamento comercial e constatou-se que ambos os dispositivos funcionam similarmente, apresentando sobreposição dos dados medidos no acompanhamento de ambos os equipamentos durante o mesmo período de tempo, sendo que as duas quedas de pressão observadas no final das séries aferidas foram causadas por fechamento de registro no ponto de tomada da água, conforme pode ser visto na Figura 3.
Figura 4 - Validação do MPR datalogger.
Constatou-se, também, que as pressões medidas pelo MPR datalogger e pelo equipamento comercial possuíam uma forte correlação, com R-quadrado de 0,9986. Segundo Quinino e Reis (2011), esse coeficiente avalia a relação útil entre a variável resposta e a variável regressora em um sistema de regressão linear. Sendo assim, quanto mais a variável resposta puder ser explicada pela variável regressora, mais próximo de 1 será o valor. Além disso, o custo de aquisição do equipamento comercial, verificado em abril de 2019, é de aproximadamente R$ 5.000,00. Nesse sentido, observa-se que o custo de produção para cada MPR datalogger desenvolvido é de 4,16% do valor do equipamento comercial difundido no mercado e consegue aferir os valores estabelecidos na Norma Técnica Brasileira (NBR) nº 12.218 (ABNT, 2017) que define, em seu procedimento sobre projeto de abastecimento público, que a pressão dinâmica em qualquer ponto nas tubulações de distribuição de água deve ser, no mínimo, 10 mca, e a pressão estática deve ser, no máximo, de 50 mca, o que as concessionárias ou autarquias de abastecimento de água devem garantir no cavalete das residências.
Portanto, o dispositivo MPR datalogger com sua robustez, precisão e resistência à exposição às condições naturais (sol e chuva), corrobora com a possibilidade de implantação em redes de abastecimento de água para o monitoramento das pressões hidráulicas, com baixo custo para cada dispositivo. Além disso, reforçaram a necessidade de acompanhamento das condições hidráulicas do sistema de abastecimento de água sem onerosidade excessiva.
Figura 5 - MPR datalogger. (A) Protoboard; (B) PCI; (C) encaixe das peças na placa perfurada; (D) placas parcialmente montadas; (E) tomada de pressão; (F e G) localização dos componentes dentro da caixa plástica; (H) identificação do dispositivo; (I) equipamento pronto para a instalação
Conclusão
A água potável é essencial à vida humana e um bem cada vez mais escasso. Tendo em vista que o abastecimento de água é um uso prioritário de recursos hídricos, as concessionárias de saneamento têm como obrigação uma boa administração de perdas e um consequente melhor aproveitamento destes recursos.
As perdas, podendo ser físicas ou aparentes, constituem uma grande problemática nos sistemas de abastecimento de água, provocando muitos prejuízos de cunho social e econômico. Diversos estudos têm trabalhado na proposta de soluções para minimização destas perdas, bem como novas tecnologias estão sendo desenvolvidas com o mesmo objetivo. A Inteligência Artificial vem ganhando cada vez mais espaço no mercado através dos softwares e aparelhos desenvolvidos. Outros equipamentos, como o MPR datalogger, têm sido elaborados, contribuindo para a questão e mostrando a importância e o avanço no conhecimento sobre o abastecimento de água e as formas de otimizá-lo e torná-lo cada vez mais sustentável.
Referências Bibliográficas:
ALMEIDA, VINICIUS. Portal Saneamento Básico. Nova solução utiliza de Inteligência Artificial para combater e reduzir as perdas de água. 2020. Disponível em: <https://saneamentobasico.com.br/outros/geral/inteligencia-artificial-perdas-agua/amp/> Acessado em 10 de outubro de 2021.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENGENHARIA AMBIENTAL E SANITÁRIA (ABES). (2015). Controle e Redução de Perdas nos Sistemas Públicos de Abastecimento de Água. Revisão 1. 2015
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). (2017) NBR 12218: Projeto de rede de distribuição de água para abastecimento público – Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT. 28 p.
BEREGULA, Renato Leandro; SILVA, Fernando Rodrigues da. Equipamento de baixo custo para monitoramento de pressões em sistemas de abastecimento de água. Scielo Brasil, [s. l], v. 25, n. 6, p. 809-820, 23 dez. 2020.
BORGES, Leandro. Autossustentável. Startup de SP cria sistema que “combate” perdas hídricas através de Inteligência Artificial. 2020. Disponível em: <https://autossustentavel.com/2020/08/startup-sp-perdas-hidricas.html> Acessado em 10 de outubro de 2021.
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NOVUS. Os desafios do abastecimento de água no Brasil. Disponível em; <https://www.novus.com.br/blog/os-desafios-do-abastecimento-de-agua-no-brasil/#> Acessado em 8 de outubro de 2021. 17:00.
QUININO, R.C.; REIS, E.A. (2011) Relatório Técnico: Coeficiente de Determinação R2 como Instrumento Didático para Avaliar a Utilidade de um Modelo de Regressão Linear Múltipla. Belo Horizonte: UFMG.
Trata Brasil. Principais estatísticas de água no Brasil. Disponível em; <https://www.tratabrasil.org.br/saneamento/principais-estatisticas/no-brasil/agua> Acessado em 8 de outubro de 2021. 17:30.
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