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Reúso de efluentes e legislações existentes

Introdução


Como apresentado pela Agência Nacional das Águas (2020), 97,5% de toda água do planeta é salgada, e apenas 2,5% é doce, sendo que desta porcentagem 29,9% é subterrânea e 0,3% está presente como água superficial em rios e lagos. Além disso, a ANA em estudos em 2012 também aponta como maior usuário de água no Brasil, a irrigação, como apresentado pela Figura 1.


Figura 1. Uso de água no Brasil.

Fonte: Agência Nacional das Águas (2012).


Sabe-se que a necessidade pelo uso da água vem aumentando cada vez mais pelas atividades antrópicas, principalmente pelo esperado crescimento demográfico e em regiões de desenvolvimento econômico industrial e agrícola, tornando o equilíbrio entre demanda e oferta desproporcional para o viés da demanda. Além disso, estão sendo exigidos aspectos qualitativos e quantitativos da água que muitas vezes não se fazem presentes em regiões com má distribuição e escassez deste recurso (PHILIPPI JUNIOR, 2003).


Dessa forma entende-se a importância de adquirir água por meios alternativos como por exemplo através do reúso de água ou utilização de águas residuárias que, de acordo com CETESB (2010), não é uma prática recente. Nesse sentido, utilizando-se as águas de melhor qualidade para usos prioritários como abastecimento público, o uso de esgotos pode ser uma alternativa para o planejamento de recursos hídricos em aspectos econômicos, além de atuar de forma conservacionista com relação à água. Essa prática pode vir a ser bastante benéfica reduzindo a pressão da demanda em águas superficiais e subterrâneas utilizando água de uma qualidade inferior, principalmente de esgoto pós tratado (CETESB, 2010).


Sendo assim, Cunha et. al (2011), afirma que é imprescindível o reúso de efluentes ou o uso de esgotos tratados para se ter sustentabilidade no planejamento e gestão dos recursos hídricos, podendo ser utilizado para diversos fins que não exijam uma água muito nobre como águas destinadas a fins agrícolas, florestais, industriais, urbanos e ambientais. Por fim, os mesmo autores trazem a importância do reúso ser estabelecido de acordo com as bases legais e também de forma correta para proteger a saúde pública e o meio ambiente.


Conceitos e tipos de reúso


Timóteo (2012) conceituou reúso de água como sendo o reaproveitamento de águas residuárias após o tratamento, cuja água inicialmente tenha sido insumo de alguma atividade antrópica. No entanto, o reúso da água no geral pode ser definido de diversas formas, e é por isso que torna-se importante caracterizar os tipos de reúso. Dessa forma, adotou-se a classificação de reúso apresentada pelo CETESB (2010), sendo esta:

  • Reúso indireto não planejado: decorrente da utilização de águas para variados fins que posteriormente são despejadas em águas superficiais e são usadas novamente à jusante, de forma diluída, de maneira não intencional e sem controle;

  • Reúso indireto planejado: ocorre quando os efluentes após tratamento são descarregados nos mananciais de forma controlada e à jusante as águas são utilizadas novamente para atender algum outro uso benéfico. Esse reúso também prevê que os possíveis efluentes despejados no meio do caminho também sejam tratados e liberados de forma controlada;

  • Reúso direto planejado: acontece quando os efluentes tratados são encaminhados diretamente para o ponto de reúso, não sendo despejados no meio ambiente.

Além disso, há uma outra classificação apresentada pela World Health Organization (WHO) (1973), sendo esta de reciclagem, a qual ocorre quando o reúso da água é direcionado internamente para instalações industriais, com algum fim específico de economia de água ou controle de poluição.


Reúso de efluentes no meio industrial


Atualmente, a indústria está submetida a dois grandes instrumentos de pressão. De um lado, as imposições globais, tanto ambientais como de saúde pública, resultantes das relações do comércio interno e internacional e, do outro, as recentes condicionantes legais de gestão de recursos hídricos, particularmente as associadas à cobrança pelo uso da água (HESPANHOL, 2018 apud PIO, 2005).


Os principais usos da água na indústria estão indicados na Figura 2. Nota-se que a maior demanda é para torres de resfriamento, onde o esgoto pode ser tratado e reutilizado como água de reposição substituindo e reduzindo o consumo de água potável para esse fim.


Figura 2. Consumo de água na indústria por setor.

Fonte: Hespanhol (2018) apud Mierzwa e Hespanhol (2002).


Para se adaptar a este novo cenário, a indústria vem aprimorando os processos industriais e desenvolvendo sistemas de gestão ambiental para atender às especificações do mercado interno e externo e implementando sistemas e procedimentos direcionados para a gestão da demanda de água e a minimização da geração de efluentes. (HESPANHOL, 2018 apud MIERZWA e HESPANHOL, 2005).


Em relação aos critérios para estabelecer prioridades para usos que demandam vazões elevadas e que necessitam de níveis de tratamento relativamente menores para processos industriais, é recomendável concentrar, em torres de resfriamento, a fase inicial do programa de reúso industrial (HESPANHOL, 2018).


Embora corresponda a apenas 17% da demanda de água não potável pelas indústrias, o uso de efluentes secundários tratados, em sistemas de resfriamento, tem a vantagem de requerer qualidade independentemente do tipo de indústria, e a de atender a outros usos menos restritivos, como lavagem de pisos e equipamentos, e água de processo em indústrias mecânicas e metalúrgicas (HESPANHOL, 2018).


Além disso, a qualidade da água adequada para resfriamento de sistemas semiabertos, é compatível com outros usos urbanos, não potáveis, como a água para a irrigação de parques e jardins, lavagem de vias públicas, construção civil, formação de lagos para algumas modalidades de recreação e para efeitos paisagísticos. Ademais, outros usos podem ser considerados nas fases posteriores na implementação de um programa industrial de reúso, que incluem água para produção de vapor, para lavagem de gases de chaminés e para processos industriais específicos, tais como a produção primária de metal, curtumes, têxteis, químicas, petroquímicas, papel e celulose, material plástico e construção civil (HESPANHOL, 2018 apud SILVA et al., 2003). Essas modalidades de reúso, envolvem sistemas de tratamento avançados e demandam, consequentemente, níveis de investimento elevados.


As aplicações de água de reúso na indústria, segundo Hespanhol (2018) apud Hespanhol e Gonçalves (2005), adaptado, são basicamente as seguintes:

  • Como fluído de resfriamento ou aquecimento, nestes casos, a água é utilizada como fluido de transporte para remoção do calor de misturas reativas ou outros dispositivos que necessitam de resfriamento devido à geração de calor, ou então, devido às condições de operação estabelecidas, pois a elevação de temperatura pode comprometer o desempenho do sistema, bem como danificar equipamento;

  • Como matéria-prima em processos industriais;

  • Usos como fluido auxiliar, tais como preparação de suspensões e soluções químicas, compostos intermediários, reagentes químicos, veículos, ou ainda, para as operações de lavagem;

  • Uso para geração de energia. Para esse tipo de aplicação, a água pode ser utilizada por meio da transformação da energia, potencial ou térmica, da água, em energia mecânica e posteriormente em energia elétrica;

  • Como descarga em vasos sanitários e mictórios;

  • Na construção civil, cabines de pintura, combate a incêndio, rega de áreas verdes ou incorporação em diversos subprodutos gerados nos processos industriais, seja na fase sólida, líquida ou gasosa.

A água para uso industrial requer características de qualidade em função do tipo de uso considerado. Na maioria dos casos, o efluente requer um tratamento adicional após o tratamento secundário, alcançando assim a qualidade de água requerida para um determinado uso industrial.


Reúso de efluentes no meio agrícola


Efluentes de sistemas convencionais de tratamento, tais como lodos ativados, têm uma concentração típica de 15 mg/L de N total e 3 mg/L de P total, proporcionando, portanto, às taxas usuais de irrigação em zonas semiáridas (aproximadamente 2 metros por ano), uma aplicação de N e P de 300 e 60 kg/ha/ano, respectivamente. Essa aplicação de nutrientes reduz, substancialmente, ou mesmo elimina a necessidade do emprego de fertilizantes comerciais. Além dos nutrientes (e dos micronutrientes, não disponíveis em fertilizantes sintéticos), a aplicação de esgotos proporciona a adição de matéria orgânica, que age como um condicionador do solo, aumentando a sua capacidade de reter água (HESPANHOL, 2018 apud HESPANHOL, 2003).


O aumento de produtividade não é, entretanto, o único benefício na aplicação de efluentes tratados na agricultura, uma vez que se torna possível ampliar a área irrigada e, quando as condições climáticas permitem, efetuar colheitas múltiplas, praticamente ao longo de todo o ano (HESPANHOL, 2018 apud HESPANHOL, 2003).


Estudos efetuados em diversos países demonstraram que a produtividade agrícola aumenta significativamente em sistemas de irrigação com esgotos adequadamente administrados. A Tabela 1 mostra os resultados experimentais efetuados em Nagpur, Índia, pelo Instituto Nacional de Pesquisas de Engenharia Ambiental (NEERI), que investigou os efeitos da irrigação com esgotos, sobre as culturas produzidas (HESPANHOL, 2018 apud SHENDE, 1985).


Tabela 1. Aumento da produtividade agrícola (ton/ha/ano) possibilitada pela irrigação com

esgotos domésticos.

Fonte: Hespanhol (2018) apud Shende (1985).


Sistemas de reúso adequadamente planejados e administrados, trazem melhorias ambientais e de saúde pública, principalmente em áreas rurais de países em desenvolvimento. Alguns dos aspectos altamente positivos do reúso de esgotos na agricultura são os seguintes (HESPANHOL, 2018 apud SHENDE, 1985):

  • Evita a descarga de esgotos em corpos de água;

  • Preserva recursos subterrâneos, principalmente em áreas onde a utilização excessiva de aquíferos provoca intrusão de cunha salina ou subsidência de terrenos;

  • Permite a conservação do solo, através da acumulação de "húmus", aumenta a resistência à erosão e a capacidade de solos em reter água;

  • Contribui, principalmente em países em desenvolvimento, para o aumento da produção de alimentos, elevando, assim, os níveis de saúde, qualidade de vida e condições sociais de populações associadas a esquemas de reúso.


Legislações


A gestão dos recursos hídricos é de extrema necessidade para uso de forma racional, competindo a ela a aplicação de outorga e a cobrança pelo uso da água. A cobrança se demonstra um incentivador do reúso de água, pois reduz a vazão de captação e, por consequência, sua cobrança. A ABES, em 1992, (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental) conceituou o reúso de águas em potável e não potável.


O reúso no ambiente urbano ainda se apresenta pouco efetivo pela falta de padrões para o reúso não potável, vindo a ser utilizada uma semelhança para padrões de potabilidade e padrões internacionais, os quais são mais restritivos e podem inviabilizar a realidade local. A legislação brasileira dispõe do Plano Nacional de Recursos Hídricos (2006) que declara o reúso de águas residuárias como uma forma de enfrentar as questões ambientais e fomentar o desenvolvimento sustentável. A Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433 de 8 de janeiro de 1997) foi instituída com base na Constituição Federal de 1988. Tal política considera a importância da água enquanto bem natural e recurso de valor econômico, relevando a sua gestão estruturada e integrada e contando com a participação social. Foi criado também o CNRH (Conselho Nacional de Recursos Hídricos), o qual é responsável por impor regras sobre os usuários da água. O Projeto de Lei 5296/05 promove a instituição de diretrizes para os serviços públicos de saneamento e a política nacional de saneamento básico, contemplando o reúso de água e a reciclagem de constituintes do esgoto para atender os requisitos de saúde pública e ambiental (CUNHA et. al, 2011).


A CTCT (Câmara Técnica de Ciência e Tecnologia), que forma a CNRH, formulou a Lei n°54 promulgada em 28 de dezembro de 2005 que estabelece modalidades, diretrizes e critérios gerais para a prática de reúso direto não potável de água no território nacional e conceitua como “água residuária, que se encontra dentro dos padrões exigidos para sua utilização nas modalidades pretendidas”. Já o SINGREH (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos) e os órgãos que o integram são responsáveis por avaliarem os efeitos gerados aos corpos hídricos sobre os quais há a prática de reúso e estabelecer instrumentos de regulação e incentivo para as modalidades do reúso (MATA, 2019).


Além disso, há também o Projeto de Lei 2451/20 que faz obrigatório o reúso da água para fins não potáveis em edificações modernas e atuais, podendo a água ser de origem da chuva, estações de tratamento de esgoto ou do tratamento de efluentes industriais, e aplicado a novas edificações públicas, residenciais, comerciais e industriais. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020).


De acordo com Ambiente Brasil (2015), para os sistemas de coleta e reúso da água da chuva, a NBR 15.527 contém os direcionamentos para o dimensionamento e os seguimentos do projeto para áreas urbanas e de usos não potáveis.


Ademais, a legislação federal brasileira, CONAMA 357/05, impõe os padrões ambientais de lançamento de efluentes em corpos hídricos, segundo a classificação de usos preponderantes. Por fim, a NBR 13.969/97 possui manuais de operação para conduzir um sistema de reúso de esgoto, considerando o reúso da água como disposição final de efluentes tratados (MATA, 2019).


Discussão


A falta de informação ainda é muito presente na realidade brasileira. Quando se trata do reúso de água e também de efluentes existe resistência e até mesmo desconhecimento. Nesse sentido, levar informação e instrução para as comunidades e municípios se faz importante para o maior alcance da prática de reúso e dessa forma, repercutir em bons resultados. Dentre esses podem ser citados o fomento do poder público em soluções alternativas ao enfrentamento de crises hídricas na zona rural, junto ao suporte e à demonstração das vantagens do reúso de efluentes no meio agrícola, e também os benefícios do reúso de águas pluviais na área urbana, promovendo diminuição nos casos drásticos de enchentes.



Referências:

AMBIENTE BRASIL. Legislação e Normatização do Reúso da Água. 2015. Disponível em:

https://ambientes.ambientebrasil.com.br/agua/uso_e_reuso_da_agua/legislacao_e_normatizacao_do_reuso_da_agua.html. Acesso em: 11 abr. 2021.


ANA, Agência Nacional das Águas. ASPECTOS GERAIS DO REÚSO DE ÁGUA. Brasília: 2020. Disponível em: https://capacitacao.ana.gov.br/conhecerh/bitstream/ana/84/10/Unidade_1.

pdf. Acesso em: 09 abr. 2021.


CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto torna obrigatório reúso de água para fins não potáveis em novas edificações Fonte: Agência Câmara de Notícias. 2020. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/693053-projeto-torna-obrigatorio-reuso-de-agua-para-

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CETESB. Reúso de Água. 2010. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/aguas-interiores/infor

macoes-basicas/tpos-de-agua/reuso-de-agua/. Acesso em: 09 abr. 2021.


CUNHA, Ananda Helena Nunes; OLIVEIRA, Thiago Henrique de; FERREIRA, Rafael Batista; MILHARDES, André Luiz Mendes; SILVA, Sandra Máscimo da Costa e. O REÚSO DE ÁGUA NO BRASIL: A IMPORTÂNCIA DA REUTILIZAÇÃO DE ÁGUA NO PAÍS. Enciclopédia Biosfera, Goiânia, v. 7, n. 13, p. 1225-1248, nov. 2011.


EZWALD, J.K., Becker, W.C., WATTIER, K.L., (1985) Surrogate parameters for monitoring organic matter and THM precursors, J. AWWA, Research and Technology, vol.77 - no 4, pp. 122132, USA.


FERNANDES, Vera Maria Cartana. Padrões para reúso de águas residuárias em ambientes

urbanos. Engenharia Civil. Universidade de Passo Fundo, RS.


HESPANHOL, I., (2002), Potencial de Reúso de Água no Brasil-Agricultura, Indústria, Municípios, Recarga de Aquíferos, Revista Brasileira de Recursos Hídricos, RBRH, vol.7 no.4, dezembro, Edição Comemorativa, pp.75-97, Porto Alegre.


HESPANHOL, M. Sc. Ph.D. Ivanildo. Reúso: A única solução para resolver simultaneamente os problemas de abastecimento de água e de saneamento. 2018. Disponível em: http://biton.uspnet.usp.br/cirra/wp-content/uploads/2013/08/Artigo-Re%C3%BAso.pdf. Acesso em: 09 abr. 2021.


MATA, Bruno. Água de reúso: o que a lei diz e você precisa saber. 2019. Blog de Engenharia. Disponível em: https://fluxoconsultoria.poli.ufrj.br/blog/agua-de-reuso/. Acesso em: 11 abr. 2021.


PHILIPPI JUNIOR, Arlindo. Reúso de água: uma tendência que se firma. In: PHILIPPI JUNIOR, Arlindo; BORANGA, José Aurélio; SANTOS, Hilton Felício dos; MANCUSO, Pedro Caetano Sanches; BREGA FILHO, Darcy; HESPANHOL, Ivanildo; BLUM, José Roberto Coppini; EIGER, Sérgio; FINK, Daniel Roberto. REÚSO DE ÁGUA. São Paulo: USP - Universidade de São Paulo, 2003. p. 13-17.


SOUZA, Murilo. Projeto torna obrigatório reúso de água para fins não potáveis em novas

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TIMÓTEO, Thiago Faquineli. A normatização do reúso de água residuária no Brasil. 2012. 52 f. TCC (Graduação) - Curso de Gestão Ambiental, Universidade de Brasília, Planaltina, 2012.

ORGANIZATION. Reuse of effluents: Methods of wastewater treatment and public health safeguards. Geneva, 1973.

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